Quais são as dimensões do teu olhar?

"Que é que tem nessa cabeça saiba que ela pode ou não. ..."
Cabeça - Walter Franco

Tem gente que olha para a Paris atual e vê apenas a aparência da cidade. Não vê, por exemplo, que aquelas largas avenidas são o resultado de um plano urbanístico para combater as epidemias que se alastravam pela região e ameaçavam as suas elites. Na mesma época, meados do século 19, Londres também construiu o seu sistema de saneamento (com galerias subterrâneas) pelo mesmo motivo. Barcelona se mobilizou apenas no início do século 20 e construiu o famoso bairro Eixample. Enquanto isso, em Montevideo e no Rio de Janeiro, as pessoas defecavam e urinavam nas calçadas. Ainda hoje as cidades brasileiras não fizeram o seu dever de casa e as pessoas costumam elogiar a "natureza" que existe no Rio de Janeiro, em Salvador e em Florianópolis.

Quando estudei arquitetura e urbanismo, no final dos anos 70, o professor de história Carlos Carrere me ensinou que nem todo mundo vê e representa a realidade da mesma maneira. Enquanto uns observam apenas a estética das coisas, outros analisam as suas funcionalidades. Mas, dizia ele: nós precisamos aprender a analisar a estética, as funcionalidades e, ao mesmo tempo, o contexto.

Esse professor uruguaio também nos dizia que a representação visual dos seres humanos foi se modificando através da história, até alcançar uma dimensão transversal e complexa. Para provar essa tese, ele se utilizava da análise de diferentes  pinturas, desenhos e gravuras, considerando alguns elementos objetivos e  outros subjetivos. Por exemplo, a Santa Ceia - ano 1498 - seria uma das primeiras representações da terceira dimensão (a profundidade) na história da humanidade, com o uso da perspectiva e a Guernica (leia-se, o cubismo), de Picasso - 1937 -, inseriu a dimensão do tempo ao representar um "objeto" em seus diferentes ângulos (simultaneamente). Traduzindo: Leonardo da Vinci teria representado uma visão muito sensível para a sua época, mas convergindo para um único "objeto" (no caso, Jesus Cristo, ao centro da mesa) enquanto Picasso, quatro séculos depois, teria superado esta visão de reconhecer apenas uma perspectiva.

Depois daquelas aulas,  nunca mais vi um filme hollywoodiano do mesmo jeito que os da Cinecittá. Comecei a mergulhar muito mais na sensibilidade histórica que existia num Satyricon, de Fellini, ou num Decameron, de Pasolini, pois os personagens me pareciam bem mais interessantes e reais, em suas épocas.

Sei que algumas pessoas poderão discordar e defender o seu ponto de vista. Mas entendo que estarão apenas confirmando o que tento dizer nessa reflexão. O que me conforta é que vejo as novas gerações construindo um  novo olhar transversal dos fenômenos, navegando na internet, nos smartphones e nas redes sociais, reconhecendo os diferentes olhares existentes. Triste de quem ainda insiste em ver apenas o seu ponto de vista!

Pois, para oxigenar esta relação, eu proponho que a gente identifique as dimensões de cada olhar, analisando e interpretando algumas imagens... Te identificas com algumas delas? Afinal, qual é a máxima representação possível da realidade?


4a. Colônia de imigração italiana

Fotografia enviada por Claudiane Weber (Florianópolis)

Esta foto eu bati enquanto um grupo de adolescentes aguardava ser chamado para desfilar na Festa do Arroz, na cidade de São João do Polêsine -  4a. Colônia de imigração italiana - no interior gaúcho - Claudiane Weber.

Por uma filosofia não antropocêntrica!

Texto enviado por Eduardo Soares (Brasília)
Pessoal,

A idéia do BLOG é boa, e está ficando interessante!

Como já tem manifesto, filmes etc., lembrei - como leitor assíduo que sou - que usar este espaço para trocas sobre livros pode ser igualmente interessante.

Então, recomendo abaixo quatro livros que li este ano e que foram muito legais. Todos são não-ficção e, de uma forma ou de outra, tem a ver com minha atividade profissional e com a minha inserção como cidadão do mundo.

CACHORROS DE PALHA - John Gray, filósofo inglês ligado ao grupo da Teoria Gaia. É a crítica mais contundente que já li ao antropocentrismo de nossa civilização, pondo desde nossas religiões até o humanismo, marxismo, situacionistas e tudo o mais num único saco. O livro é centrado numa crítica à filosofia como fundadora da crise ambiental e sobre a necessidade de criarmos uma filosofia não antropocêntrica. Vale muito a pena ler!

BREVE HISTÓRIA DE QUASE TUDO - Bill Bryson. Um apanhado geral sobre como a ciência chegou a saber o que sabe (ou o que supõe saber). Me senti fazendo uma espécie de "supletivo do segundo grau", com o autor percorrendo temas aos quais fui apresentado no ginásio ou científico - obviamente sem a habilidade didática que o escritor demonstra agora. Vale como atualização, mas para muitos assuntos, fez “cair a ficha” sobre temas que no passado só acertei em prova por pura decoreba, mas não por entendimento.

O MUNDO SEM NÓS - Alan Weisman. O autor (jornalista) se propôs a informar-nos sobre o que acontecerá com o planeta após o desaparecimento de nossa espécie, o que ele advoga como iminente (ele também partilha da tese Gaia). Desmonta, concordando com o John Gray, mas por outro caminho, a tese de que a vida acaba, mostrando que a vida não é antropocêntrica mas - felizmente - "caga e anda" prá humanidade. Entretanto, ela terá que se adaptar às seqüelas com que a humanidade registra sua passagem sobre o planeta. Neste caminho, expõe a falsidade de certas "soluções" engendradas pelo sistema, como o plástico biodegradável e a própria trangenia, e de como nosso domínio da natureza é pífio/risível Ao fim, nos dois ou três últimos capítulos, faz uma pequena discussão filosófica sobre o post morten, sobre se podemos esperar algo nela. É complementar ao CACHORROS DE PALHA... enquanto o John Gray filosofa, ele, Weisman, trabalha provas/evidências.

ELOGIEMOS OS HOMENS ILUSTRES - James Agee (escreveu) e Walker Evans (fotografou). Este livro é considerado um marco na história do jornalismo mundial. Feito a partir de uma encomenda de reportagem sobre como sobreviviam camponeses durante a Grande Depressão, a qual foi rejeitada pelo demandante. Ainda não acabei de ler, mas é um livro incomum por sua estrutura, que entremeia as notas/observações do autor descrevendo o que vê com suas reflexões éticas e filosóficas sobre o sentido do seu trabalho e o direito de fazê-lo devassando a vida das pessoas (ele fez "imersão", à moda Chambers/DRP, por 3 meses, junto a três famílias de camponeses brancos meeiros de algodão) . A descrição sobre a materialidade dos camponeses, suas casas, mobília, roupas, rotinas, etc. é barroca, tal a refinação dos detalhes - e ele ainda reflete sobre o quanto esta materialidade determina/influência o modo de pensar/perceber o mundo (e o quanto limita a infância camponesa). Neste sentido, é quase determinista. Diferente é o mínimo que se pode dizer deste livro que, pelo barroco do texto, é difícil tanto quanto encantador em sua prosa seguidamente poética.

Essaouira, no Marrocos

Fotografia de Guto King (Pelotas - RS)

Perspectivas


Enviado por Miguel Ângelo Dias (Florianópolis)
Há alguns anos, uma pessoa me contou que, por ter sofrido um acidente, teve que mudar sua postura, erguer mais a cabeça, e que isto lhe dera outra perspectiva: que passara a ver as coisas materiais e a vida por outro ângulo. Quando nos olhamos no espelho, nos vemos de frente; se usarmos um jogo de espelhos, poderemos nos ver de perfil e até de costas, visões bem diferentes de nós mesmos. Um objeto pode nos parecer maravilhoso quando visto de um ângulo e horrível, quando visto por outro lado.
E assim é o mundo como o vemos. Numa noite destas, um amigo, comentando sobre os prós e contras da vida, me disse: “As pessoas dizem ‘tudo bem’, ‘tudo bem’ quando nada está bem!” Ele estava coberto de razão, se olharmos por seu ângulo, afinal o mundo não anda nada bem. Agora perguntemos: “Quando o mundo andou bem? Quando foi que se viveu em perfeita harmonia, em perfeita justiça social ou mesmo em consonância com a Natureza?” Se alguém responder que foi antes de o homem surgir na Terra, a resposta não vale, por óbvia. É que o homem veio para revolucionar o mundo, construindo e destruindo. Na mais das vezes, destruindo.
        Falamos do homem como algo à parte de nós mesmos, mas nós, humanos, somos o grande problema e, simultaneamente, a solução; mera questão de perspectiva. Ver que as coisas não estão bem, é bom; ficar sempre olhando por este lado, já não é tão bom assim, pois nos consome inutilmente, nos impedindo de ver possíveis soluções.
Otimismo?
        Para o pessimista, o mundo é mau e não tem solução; o ingênuo otimista vê fácil solução para tudo. Para que algo possa ser feito para se melhorar o mundo, temos que abarcar muitas perspectivas do Universo que nos cerca, adotar uma visão holística; temos que ser realistas: lidar com possibilidades e não com certezas. A visão pessimista nos torna egoístas; o otimista age como tolo: ambos são, ao fim e ao cabo, destruidores. Quem pode construir algo é o realista, que aprende a negociar com o meio, aceitando o inevitável, mas pondo sua energia em ação com o intuito de só tentar modificar o modificável.
        Focar o passado só é válido se o fizermos para aprender algo; para o futuro, só adianta olhar se estivermos plantando alguma coisa. Vivamos bem o agora, semeando o respeito e a paz, pois, por utópico que isto possa parecer, sempre estaremos aprimorando o mundo, pelo menos à nossa volta.