Confesso!
Quando menino eu matei mais de um milhão de passarinhos. O meu pai pagava para
a gente matar caturrita e proteger a horta da granja, mas a gente aproveitava e fazia a
pontaria em todos eles: Beija-flor, periquito, sabiá, bem-te-vi e “corroera”.
Era uma verdadeira chacina, que hoje vejo como muito horror! Claro, que se eu
pudesse escolher não teria feito nada daquilo... Mas, o que faz um menino que
ganha uma espingarda de presente? Agora já é tarde! Só resta essa minha cruel confissão.
Naquela
época, na fronteira que fica ao sul do Brasil, o lado sombrio da vida era mais
ou menos assim: além do frio de rachar, tinha um pouco de melancolia, algumas
brigas banais, homens portando arma na cintura, etc. e tal. Enfim, tinha de
tudo! A gurizada podia acompanhar os pais nas pescarias, nas caçadas, nas
tosquias, na carneação de ovelhas... Também tinha um lado bucólico, pois a
gente acabava conhecendo os matos silvestres, os riachinhos e a solidão dos
campos.
Pensando
bem, aqueles foram os meus anos de reconhecimento das contradições da vida. Mas,
somente bem mais tarde, depois dos 16 e dos 19 anos, foi que eu comecei a refletir
e a lapidar a minha sensibilidade com a natureza e com a vida em sociedade.
Nos anos
60 e 70, era “natural” essa tradição cultural passar de pai para filho sem quase
a gente se aperceber. Pois, além de brincar na rua, as crianças ganhavam armas
de brinquedo, podiam matar passarinhos, botar apelidos nos amigos(as), fazer folia
nas salas de aula... Algumas dessas coisas que ainda insistem em permanecer
entre nós... Após os 15 e 16 anos, além do jogo de cartas, estávamos “autorizados”
a beber até cair... Muitos costumavam cheirar lança-perfume no Carnaval e a
experimentar otras cositas más.
A minha geração relutou e rompeu com boa parte dessa tradição cultural
conservadora. Mas muitos não conseguiram sair desse círculo vicioso e permaneceram
reproduzindo certas regras,
etiquetas e protocolos herdados inconscientemente de seus pais e
avós. Outros morreram pelo caminho...
E eu? Eu passarinho.
Que lindo Ricardo, essas memórias... Remetem as minhas daqui da fronteira e de outras paragens onde vivi..
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