Era 1º de abril de 1964, e eu tinha apenas oito
anos de idade. Naquela manhã o meu pai me levou pra passear no seu Simca
Chambord pelas ruas desertas da cidade. Lembro que tinham montado barricadas
na frente do 8º Regimento de Cavalaria e que quase ninguém havia saído de casa.
Meses mais tarde, eu já estava desfilando com um uniforme militar e cantando o Hino Nacional
na entrada do Grupo Escolar Rivadávia Corrêa.
Na verdade, até 1973 eu não acompanhava o que estava acontecendo no meu país. Morando na fronteira Brasil-Uruguai, dava para aproveitar os últimos ares
democráticos que ainda sopravam do lado de lá. Pois atravessando a linha imaginária eu conseguia assistir a filmes censurados e comprava livros que estavam proibidos no
Brasil. Acho que isso diminuía um pouco a minha inquietação juvenil.
Vladimir Herzog - 1975 |
Assim, aos poucos, através da imprensa alternativa
da época e dos meus amigos, foram se revelando as matanças, as torturas e toda a corrupção que transbordava em quase todas as áreas.
Também descobri que para isso acontecer eles precisavam do apoio da grande
mídia e da máquina judiciária, divulgando informações falsas sobre aqueles
verdadeiros crimes.
Durante anos eu assisti confissões forjadas, laudos periciais
mentirosos, autópsias fraudadas, queima de bancas de jornais e o desaparecimento de pessoas inocentes, após
longas sessões de torturas. Com a grande mídia ao seu lado, alguns empresários
internacionais, via governo dos EUA, compraram vários empresários brasileiros, alguns políticos e boa parte da alta patente do exército. Depois, utilizando intrigas e mentiras, foram desmantelando a universidade brasileira (ver acordo MEC-USAID), manipulando e dividindo a sociedade civil, e assim conseguiram apoio para os seus investimentos no país. Eles queriam a nossa mão-de-obra barata e a exportação das nossas riquezas naturais.
Roberto Marinho com os generais e com Antonio Carlos Magalhães |
Naquela época, apesar da minha indignação, eu quase não tinha com quem conversar sobre estes assuntos em casa. Os meus pais, com medo de alguma represália, me
pediam para não me meter na política. A minha mãe às vezes me falava do penteado que
a Dona Dulce Figueiredo usava, e eu ficava &%*&¨¨%%$+_)( da cara.
Mesmo sem liberdade de expressão, fui me dando
conta de que aquele modelo pregava abertamente o crescimento a qualquer custo, expulsando os homens do campo, acabando com as reservas indígenas, criando enormes cinturões de miséria nas grandes cidades e explorando os trabalhadores. Para garantir tudo isso, o congresso foi esvaziado de seu significado público,
e criaram-se privilégios em todas as esferas de poder (municipal, estadual e
federal), com a apropriação privada do que deveria ser público. As cidades de
fronteira e as capitais dos estados (UFs) foram consideradas Áreas de
Segurança Nacional e não tinham o direito de eleger os seus prefeitos e nem os
seus escalões administrativos. Os governadores também eram indicados
pelos ditadores, e os estados menores, como o Acre e o Amapá, à
medida que a oposição avançava nos demais estados, ganharam o mesmo peso de
representação no Senado, para garantir uma nova maioria. Essa e outras manobras políticas, os defensores do regime militar brasileiro nos deixaram como
herança.
Quem viveu naquela época sabe que os ditadores
se utilizaram da prática de tortura de uma forma
institucionalizada. E que algumas dessas práticas ainda persistem em delegacias
e prisões do nosso país. Aquele regime de força acabou promovendo, gratificando e
dando garantias aos integrantes do aparelho de repressão política, como a
anistia aos torturadores e o emblemático caso da homenagem ao delegado
torturador Fleury, com a concessão da Medalha do Pacificador.
É notório que neste poucos anos de democracia e de liberdade conquistada, muitas pessoas estão aprendendo a conviver e a dialogar com as diferenças. A nossa
paciência, aliada ao trabalho de base, com argumentos consistentes, foram desmanchando muito daquela velha onda reacionária e conservadora.
Faz tempo que eu estou convencido de que o combate à corrupção passa pela luta por mais participação e por mais democracia. Ou seja, quanto mais informações e controle social, menos corrupção e menos autoritarismos...
Faz tempo que eu estou convencido de que o combate à corrupção passa pela luta por mais participação e por mais democracia. Ou seja, quanto mais informações e controle social, menos corrupção e menos autoritarismos...
Editorial do jornal O Globo - ano 2013 |
Gostei, Ricardo!
ResponderExcluirMesmo relembrando fatos tristes e marcantes desse período.
É bom relembrar. E ver como é bom viver em um democracia!!!
Muito bom! Parabéns pelo belo artigo!
ResponderExcluirObrigado, Lélia e Maria Luisa. É sempre bom conversar com as sombras... Gracias!
ResponderExcluirParabéns! Brilhante seu texto! Continue ajudando a informar e manter a democracia!
ResponderExcluirParabéns Ricardo, mais um belo artigo.
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