As tecnologias

Dizem que a Bossa Nova foi gravada lá fora por causa da qualidade do som. Naquela época os estúdios norte-americanos e europeus eram bem melhores do que os nossos. Eu lembro que era muito difícil de se entender a fala dos atores no cinema brasileiro. Problema das salas de cinema, mas também da qualidade da gravação. Foi nos anos 80 que tudo começou a melhorar, até surgir o dolby-stereo, o efeito surround e depois os home theaters.

Esse avanço tecnológico foi fundamental para sensibilizar os nossos sentidos e aumentar o consumo de música e vídeos no país e no mundo. Hoje a indústria do entretenimento é uma das maiores do mundo e parece que perde em faturamento apenas para a do petróleo.

Mas o som estereofônico surgiu na minha vida lá pela metade dos anos 70. Até então eu escutava rock, pop e MPB numa velha “eletrola”, depois num toca-discos portátil e também num gravador Philips... Daqueles com fitas cassetes TDK, BASF, Sony e Philips que enrolavam na melhor parte da música.

Anos mais tarde ganhei um “prato” em 33 rotações... Era um toca-discos que eu pluguei num amplificador da guitarra do meu irmão. O som ainda saía em mono, mas era muito bom... Claro que não chegava aos pés de aparelhos estereofônicos que se ouvia em algumas casas da cidade. Mas era muito bom!

Certa vez um grande amigo e sócio do meu pai deixou um amplificador lá em casa e eu resolvi plugar os dois naquele “prato” para escutar pela primeira vez um som estereofônico no meu quarto. Foi uma experiência que me marca até hoje... Ainda mais que os primeiros LPs que rolaram naquele quarto foi o The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd e o A Horse With No Name, do América. Não preciso lhes dizer das coisas que aprendi nos discos, mas dalí pra frente as performances com guitarras, baterias, saxes e corais começaram a adquirir uma nova dimensão para mim.

Agora, vai fazer trinta anos que eu trabalho com sistemas e tecnologias da informação. Navego na internet e amplifico o som e a imagem que recebo através das redes sociais. Assim, posso ver e a ouvir aquelas apresentações que a gente só imaginava e que ficaram empoeiradas em algum lugar da memória. Como no filme Barbarella ou 2001 - Uma Odisseia no Espaço, fico quase que diariamente conectado na rede mundial de computadores compartilhando sentimentos e visões de mundo com velhos e novos amigos(as)... Assim também vamos modificando a nossa forma de perceber o mundo que se abriu em rede para o infinito. Como deuses, nos sentimos em todos os lugares ao mesmo tempo, agora...

Tudo isso me faz crer que um mundo hipnotizado pelas novidades tecnológicas e pelo consumo tende a se tornar obsoleto. Menos nas memórias, nos conhecimentos e nas sensibilidades que conseguimos adquirir.

Viver é melhor que sonhar!

Eu passarinho...



Confesso! Quando menino eu matei mais de um milhão de passarinhos. O meu pai pagava para a gente matar caturrita e proteger a horta da granja, mas a gente aproveitava e fazia a pontaria em todos eles: Beija-flor, periquito, sabiá, bem-te-vi e “corroera”. Era uma verdadeira chacina, que hoje vejo como muito horror! Claro, que se eu pudesse escolher não teria feito nada daquilo... Mas, o que faz um menino que ganha uma espingarda de presente? Agora já é tarde! Só resta essa minha cruel confissão.

Naquela época, na fronteira que fica ao sul do Brasil, o lado sombrio da vida era mais ou menos assim: além do frio de rachar, tinha um pouco de melancolia, algumas brigas banais, homens portando arma na cintura, etc. e tal. Enfim, tinha de tudo! A gurizada podia acompanhar os pais nas pescarias, nas caçadas, nas tosquias, na carneação de ovelhas... Também tinha um lado bucólico, pois a gente acabava conhecendo os matos silvestres, os riachinhos e a solidão dos campos.

Pensando bem, aqueles foram os meus anos de reconhecimento das contradições da vida. Mas, somente bem mais tarde, depois dos 16 e dos 19 anos, foi que eu comecei a refletir e a lapidar a minha sensibilidade com a natureza e com a vida em sociedade.

Nos anos 60 e 70, era “natural” essa tradição cultural passar de pai para filho sem quase a gente se aperceber. Pois, além de brincar na rua, as crianças ganhavam armas de brinquedo, podiam matar passarinhos, botar apelidos nos amigos(as), fazer folia nas salas de aula... Algumas dessas coisas que ainda insistem em permanecer entre nós... Após os 15 e 16 anos, além do jogo de cartas, estávamos “autorizados” a beber até cair... Muitos costumavam cheirar lança-perfume no Carnaval e a experimentar otras cositas más.

           A minha geração relutou e rompeu com boa parte dessa tradição cultural conservadora. Mas muitos não conseguiram sair desse círculo vicioso e permaneceram reproduzindo certas regras, etiquetas e protocolos herdados inconscientemente de seus pais e avós. Outros morreram pelo caminho... 

        E eu? Eu passarinho.