Os donos da bola

"No campo do adversário
É bom jogar com muita calma
Procurando pela brecha
Pra poder ganhar"
Gozaquinha

     Na minha infância e adolescência era comum encontrar meninos que acabavam com o jogo de futebol quando os seus times estavam perdendo. Eles eram chamados de “os donos da bola” e, às vezes, eram donos até das camisetas.  Estes meninos cresceram e, lamentavelmente, muitos deles ainda continuam assim: não aprenderam a conviver com as adversidades e com as diferenças.
 
   Desde cedo eles foram mimados e conviveram com a bajulação das famílias, cujos pais estavam melhorando de vida, durante o chamado Milagre Econômico. Aquele mundo infantil era cheio de fantasias e de aventuras, mas também de dúvidas sobre a capacidade de compreender o mundo, os outros e nós mesmos. Quem sou eu? O que os outros pensam de mim? E que mundo cruel é este? Faziam parte das nossas pré-ocupações.
 
   Para as mães ficava o papel de educadoras, pois os pais estavam quase sempre trabalhando. Elas somente perdiam o posto quando o amor era substituído pela professora, por Jesus Cristo, por Nossa Senhora, pelos padres, pelas freiras e pelos reverendos. Eles ensinavam a ser culpados e a fingir amar sem questionar os nossos desejos mais profundos. Assim, uma criança passava muitos anos para aprender a lidar com a vida real.
 
   Naquela época também era comum e engraçado chamar os outros por um apelido, quase sempre pejorativo. Mas isso acabava incomodando todos, pois todos que resistiam recebiam um daqueles maldosos “rótulos”. Na escola é que se revelava a relação de superioridade e de inferioridade, e onde o mundo era visto e aprendido como uma encenação de poder, de disputas e de opressão.
 
   Esse mundo se revelou mais ainda quando conquistamos a democracia e quando o Banco do Brasil resolveu cobrar as dívidas contraídas pelos antepassados, após tantos anos de empréstimos sobre empréstimos, juros sobre juros, viagens ao exterior e muitas risadas. O que ficou de herança? O sentimento de serem os eternos donos da bola.
 
   Para muitos deles, nesta nova e complexa realidade, que pode levá-los à pobreza ou a voltar aos velhos tempos de glória, acabou restando a opção de entrarem para grupos políticos e religiosos, e tornarem-se oradores e militantes conservadores. Assim, na vida e na internet, eles encontram uma forma de preencher o vazio deixado pelas velhas escolhas. O pior é que alguns resolveram identificar falsos culpados pelas oscilações de suas vidas: de judeus a homossexuais, de indígenas a esquerdistas, quase todos se tornaram motivos para destilar seus ódios e xingamentos.
 
   Na verdade, eles não querem reconhecer que foram educados para serem os chefes e que esse posto já não lhes pertence mais. Como a história não anda em linha reta, a radicalização da democracia está criando um ambiente favorável para novos aprendizados. Que aprenda quem souber!

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