Rebeldes ou reféns?

"Que ingenuidade - pedir a quem tem o Poder, para reformar o Poder..."

Giordano Bruno (ano de 1600)


Sempre que surge uma manifestação rebelde e criativa, a velha sociedade, composta por pessoas conservadoras, reage com a máxima "atenção" possível, pois percebe que está diante de uma ameaça à manutenção da "sua ordem” estabelecida, dos seus hábitos e também dos seus privilégios. Às vezes, para se proteger, ela adapta um pouco do seu discurso para não se parecer tão conservadora assim.

Por seu lado, nas novas organizações que surgem é comum encontrar pessoas que se contentam em ironizar, debochar, protestar nos bares, nas esquinas e/ou nas redes sociais. Muitas delas se dizem revolucionárias, mas na verdade se tornaram reféns da sociedade conservadora e não se apercebem disso. Por quê? Porque não possuem um projeto político de sociedade e nem querem participar do debate mais profundo sobre aqueles projetos que estão em disputa na vida real. Elas se contentam com o pequeno espaço conquistado (sic) para o seu frágil discurso. Ou seja, fazem o seu protesto e depois se dispersam pelos diferentes cantos da cidade e do país, sem construir novas estruturas participativas de Poder (micro ou macro). Na maioria dos casos, elas preferem endeusar-demonizar políticos e personalidades em evidência, pois acreditam que somente a eles cabe organizar as relações de Poder na sociedade.

Infelizmente, muitos de nós fomos educados (?) para não gostar da vida pública e acabamos reforçando a crença de que uma nova sociedade poderá surgir espontaneamente ou será obra de um "assalto" ao Poder. Essas pessoas não percebem que a construção de uma nova sociedade começa na velha sociedade (citando Paulo Freire). Ou seja, que a sua prática e o seu método de intervenção se reduz a uma prática comum, imediatista e vulgar. Assim, ela nunca é entendida como uma categoria da atividade humana mais sensível, que considere o contexto histórico, a cultura das pessoas e das organizações e os relacionamentos necessários para superar os grandes obstáculos.

Precisamos entender que as universidades, os governos, os partidos, as organizações da sociedade civil, a mídia e todo o aparato estatal existente, são fruto de práticas e de concepções (teorias) que dominaram e dominam a nossa vida cultural e política há alguns anos. E que, se ainda existem pessoas que curtem e compartilham as apologias ao ódio, à violência, ao consumismo e ao autoritarismo, é porque ainda co-existe entre nós um imaginário popular que ainda não reconheceu a importância desta recente e frágil experiência democrática no Brasil.

Ficar repetindo que ainda não temos um bairro-cidade-estado-país-planeta maduro, com organizações que sejam capazes de acabar com todas as injustiças e desigualdades etc. e tal é um primeiro passo para a mudança, mas não pode ser o único passo. Este "mal estar" e toda a indignação existente precisam ser canalizados para a construção de novas estruturas organizativas nas cidades, no estado e no país, que substituam as velhas estruturas conservadoras.

Quem quiser entender melhor, que pesquise um pouco mais sobre a degeneração dos propósitos humanistas ocorridos na história do Cristianismo, da Revolução Francesa, do Socialismo Real e de outras experiências reais. Quem quiser realmente mudar a vida, que comece por questionar as suas próprias práticas e concepções. Que compare a sua prática com os seus sonhos, para ver se ela está colaborando para torná-los viáveis.

Enfim, para não nos tornarmos reféns da sociedade conservadora, e para construirmos relações culturais-éticas-políticas mais maduras (e permanentes), precisamos permitir e alimentar uma mudança interior/exterior em cada um(a) de nós, a partir de uma prática subsidiada por novos conhecimentos, que melhorem radicalmente as nossas relações familiares, escolares, comunitárias e políticas. Traduzindo: as velhas estruturas organizacionais da sociedade somente se modificarão se formos criativos, e mudarmos substancialmente a base dessa mesma sociedade.

SOBRE A REFORMA POLÍTICA

O povo brasileiro, a partir das recentes manifestações e do questionamento das atuais estruturas políticas, está conquistando uma oportunidade ímpar de realizar uma reforma política no país. Aqui não se trata reformar apenas os partidos (uma parte da sociedade está representada em cada um deles), mas de todo o tipo de participação que a nossa criatividade e capacidade organizativa conseguiu acumular até agora.

É claro que o Congresso atual, com sua maioria conservadora está propondo uma saída também conservadora para a "crise" de representatividade. Não poderia ser diferente! Por isso, a melhor saída será a constituição de uma "Assembleia Exclusiva de representantes do povo", eleita apenas para esse fim. Mas como obter esta nova conquista, se as mobilizações estão diminuindo? Só nos resta preparar e organizar uma segunda onda, mas com um Propósito bem claro e com Princípios que sejam democráticos e plurais. Se não, será muito esforço para poucas conquistas.

(Inspirado num texto que li na década de 1970, publicado no Jornal Opinião)

Um comentário:

  1. gostei muito!! já twittei teu blog heheheheh beso com saudade, Letícia

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